domingo, 23 de dezembro de 2012

A Crise do Imperialismo Como Ofensiva do Capital na Luta de Classes e a Necessidade da Contraofensiva da Classe Operária


Causas Contrariantes [da Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro]:
I. Elevação do grau de exploração do trabalho
O grau de exploração do trabalho, a apropriação de mais trabalho e de mais-valia, é elevado a saber por meio de prolongamento da jornada de trabalho e intensificação do trabalho. ...
II. Compressão do salário abaixo de seu valor
... é uma das causas mais significativas de contenção da tendência à queda da taxa de lucro[1] (sublinhado nosso).

A crise do imperialismo, como já vimos afirmando há algum tempo, segue como o aspecto central da conjuntura atual, em que o proletariado vive e luta. Essa conclusão é inescapável a todas as classes dominadas, que sofrem com/lutam contra o aumento da exploração capitalista, seja na forma dos pacotes da Troika na Europa que reduzem salários e conquistas dos trabalhadores, seja nos pacotes de Dilma/Mantega que atendem aos interesses do capital por aqui instalado[2], ambos para aumentar a taxa de lucro da burguesia. Ao redor do mundo se observa que as velhas formas sindicais de luta de classe da classe operária não têm tido resultados em termos de salários e empregos diante da profundidade desta crise. Em vários locais, inclusive, já está se colocando, crescente e explicitamente, a questão das novas formas e dos reais objetivos de luta da classe operária.

Acesse o PDF.


É importante ressaltar que as citações de Marx, acima, não dizem respeito apenas às conjunturas de crises, mas ao próprio sistema capitalista: as causas contrariantes da queda tendencial da taxa de lucro listadas em I e II por Marx são expressões da luta de classes na produção. As crises só fazem explicitá-las ao agravarem todas as contradições do capitalismo. Afinal, sabemos que, especialmente nos países dominados, a compressão dos salários abaixo de seu valor é o normal, não uma exceção.

A crise como aspecto central da conjuntura, bem como seu agravamento, são, também, inegáveis para as classes dominantes. Contada pela, digamos, “contabilidade tradicional” da economia burguesa[3], o início da atual recessão já estaria completando cinco anos e mesmo os mais otimistas, como o economista-chefe do FMI, dizem que ela vai durar pelo menos outros cinco[4].

Em relação ao agravamento da crise, são bastante claros os discursos e documentos dos representantes da burguesia e, mais ainda, os seus atos. Na reunião semestral do FMI de outubro, em Tóquio, com a participação de Ministros da Fazenda e Presidentes de Bancos Centrais da burguesia do mundo inteiro, foram divulgadas reduções generalizadas nas projeções econômicas para este ano e para o próximo[5].

Os atos concretos das burguesias dos mais diferentes países não deixam dúvidas quanto a este diagnóstico. Um exemplo, dentre vários, vem dos bancos centrais. Em ação coordenada como não se via possivelmente desde 2009, os bancos centrais dos EUA, Europa e Japão anunciaram, em setembro, nova enchente de capital fictício para tentar (até agora infrutiferamente) tirar os principais países imperialistas das cordas. No dia 6, o Banco Central Europeu anunciou que iria comprar, de forma ilimitada, bônus soberanos de países europeus em dificuldades de financiamento, que solicitassem auxílio. No dia 13, o BC dos EUA anunciou que, além das compras de US$ 45 bilhões mensais de títulos de longo prazo, vai colocar US$ 40 bilhões a mais na economia todos os meses, comprando títulos hipotecários, até que o mercado de trabalho “melhore substancialmente”[6]. Além disso, o Federal Reserve anunciou que sua política de taxas de juros zero, iniciada em dezembro de 2008, vai durar até meados de 2015, pelo menos. Por fim, no dia 19, o Banco do Japão ampliou em 10 trilhões de ienes (aproximadamente US$ 125 bilhões) seu programa de compra de ativos, que agora deve totalizar 55 trilhões de ienes (US$ 688 bilhões)[7].

Esse cenário de uma nova depressão global do capitalismo só vem reforçar as análises e posições sobre a crise do imperialismo que vimos defendendo neste blog. Essa longa crise do imperialismo vem se estendendo continuamente desde as crises de meados dos anos 1970 e seus períodos de recuperação são cada vez mais curtos, com as recessões mais prolongadas, profundas e globais. Esta crise de sobreacumulação de capitais e de superprodução de mercadorias alimentou (e foi alimentada...), como tentativa de recuperar a taxa média de lucro, a gigantesca máquina geradora de capital fictício em que se transformou o sistema financeiro internacional (e os próprios estados nacionais, mediante a dívida pública) e reconfigurou a estrutura produtiva mundial, gerando uma nova divisão internacional do trabalho, que complementa/aprofunda as políticas neoliberais para o rebaixamento do preço da força de trabalho, ou seja, aumento da exploração capitalista.

Esses impactos da crise do imperialismo não podem senão agravar todas as contradições do sistema, a começar pela sua contradição fundamental, a contradição definidora do modo de produção capitalista: a contradição entre capital e trabalho assalariado, entre burguesia e proletariado. Sabemos, é claro, que esta contradição nunca se apresenta em estado “puro”, mas desdobrada em muitas formas concretas, as quais é preciso, ao analisar a realidade concreta, investigar detalhadamente.

A partir da crise, da sobreacumulação e da tendência de queda da taxa de lucro, também se agravam todas as contradições do sistema imperialista, levando ao que poderíamos chamar de um “aclaramento de posições”, no qual as classes dominantes das potências imperialistas e suas aliadas, as classes dominantes dos países dominados, lançam uma ofensiva contra os povos de seus países, intensificando as relações de exploração. Neste processo, também se agravam as contradições interimperialistas, com cada potência buscando, todas ao mesmo tempo, ampliar ou, pelo menos, manter suas posições numa economia em crise, que não se reproduz a taxas suficientes para manter a divisão anterior. Diante dessa impossibilidade, a anterior “partilha do mundo” é crescentemente questionada, o que gera diversas formas de antagonismo, como a escalada do protecionismo (monetário, cambial, comercial, etc.), conflitos diplomáticos, tensões localizadas e guerras (por enquanto) regionais[8].

Esse acirramento do conjunto das contradições impõe à classe operária e às demais classes dominadas de todos os países, resistir. Na situação concreta da crise atual – bem como nas anteriores e como é próprio do capitalismo – o peso da crise recai sobre os trabalhadores, sobre as massas exploradas, das mais diversas formas: aumento do desemprego, eliminação/restrição dos “direitos trabalhistas” na chamada precarização do trabalho, redução dos salários reais, aumentos na jornada e na intensidade do trabalho, diminuição dos gastos governamentais com saúde e educação públicas, etc. Mas quem diz exploração, diz resistência. E isso é o que temos visto, cada vez mais, principalmente nos países europeus, mas também na China, nos EUA e no mundo todo.

É esse processo de ampliação da resistência e de sua mudança de qualidade que interessa aos revolucionários do mundo todo. Como já dissemos uma e outra vez:

“... não analisamos a crise do imperialismo a não ser com o objetivo de ajudar a esclarecer a classe operária e as classes dominadas a traçar a linha justa para dirigir sua luta na luta de classes. Não nos interessa, nem um tantinho assim, encontrar saídas para o capitalismo, reformar o capitalismo, muito pelo contrário. (...) Nesta conjuntura, a da maior crise do imperialismo, a tarefa candente para os marxista-leninistas é a de transformar a crise em revolução (...). Transformar a crise do imperialismo em revolução, aprendendo com todos os acertos e erros destes mais de 100 anos de luta de classes, sabendo que é necessário retomar a teoria revolucionária do proletariado, a teoria de Marx, Engels, Lenin, Mao Tsé-Tung, no ponto mais alto de seu desenvolvimento, retomar a construção do partido revolucionário, armando-o com sua teoria, porque sabemos que sem teoria revolucionária não há partido revolucionário, e sem que o partido esteja dotado de sua teoria não lhe é possível uma prática revolucionária, não é possível traçar a linha justa que conduza a luta de classes à revolução.[9]

I - Depressão econômica mundial

Já faz parte do senso comum a afirmação de que a crise atual é a mais grave desde 1929, ou seja, desde a Grande Depressão capitalista, na verdade a terceira, após 1873 e 1896. Os economistas burgueses, inclusive, já disputam para ver como a batizam, se de “Depressão Menor” (Lesser Depression) ou de “Grande Recessão” (Great Recession)[10]. Apenas isso já bastaria para dar uma dimensão geral, porém precisa, da magnitude extraordinária da atual crise do imperialismo.

Embora esse aspecto mais geral seja verdadeiro – a crise atual é uma depressão capitalista – ele é, no entanto, insuficiente para analisar as características específicas da conjuntura e as diferenças em cada país componente da economia mundial. Os gráficos abaixo permitem apresentar, de forma sintética, esse argumento. Eles apresentam uma comparação, a partir de séries históricas da evolução do PIB real, das trajetórias dos principais países imperialistas nas depressões de 1929 e atual.

Fonte: Elaboração própria a partir dos bancos de dados de Angus Maddison (séries de 1929-1935), disponível em http://www.ggdc.net/MADDISON/Historical_Statistics/vertical-file_02-2010.xls, e do World Economic Outlook do FMI (séries a partir de 2007 e projeções para 2012 e 2013), disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2012/02/weodata/index.aspx.

A maior diferença na comparação entre os dois períodos históricos ocorre nos EUA. Em primeiro lugar, para nenhum país europeu a Grande Depressão de 1929 foi tão significativa quanto para os EUA, cujo PIB caiu 30% em termos acumulados de 1929 a 1933. O mais importante para a análise da conjuntura atual, entretanto, é que os EUA aparecem, na comparação acima, juntamente com a Alemanha, como os países que apresentam o desempenho “menos pior” desde a eclosão da crise. São os únicos países do G7 e de toda a Europa a terem, atualmente, nível de produção (PIB) superior ao de 2007. Observe-se, porém, que se ajustarmos a produção pelo aumento da população, usando o PIB per capita, esses países ainda estariam abaixo do nível de 2007...

Essa diferença nas reações à crise nos principais países imperialistas (e na China) são elementos importantes para explicar a própria dinâmica da crise e, também, as disputas por uma reorganização da economia mundial, um rearranjo da divisão internacional do trabalho. Por exemplo, parece inquestionável que esse “sucesso” alemão está reorientando a Europa para uma crescente liderança (econômica, financeira, política e ideológica) alemã. E sabemos, desde Lênin, que alterações na partilha do mundo não ocorrem sem importantes aumentos das contradições no sistema imperialista.

Por não termos como tratar detalhadamente deste tema – os impactos da crise do imperialismo na divisão internacional do trabalho – agora, só o deixamos aqui enunciado para voltarmos a ele posteriormente. No item III apresentamos rapidamente apenas um de seus impactos no mercado de trabalho.



Depressão econômica mundial: Europa

É importante olharmos com mais detalhe para a Europa. Se ainda há algum crescimento na Alemanha, na França a dupla recessão/estagnação impera nos últimos cinco anos. Essa mesma dupla aparenta dominar os países da União Europeia se os detivermos apenas no agregado expresso pelo gráfico acima. No entanto, essa aparente recessão/estagnação europeia é apenas função do grande e crescente peso da Alemanha e França sobre a região. A realidade é muito pior.

Não só o Reino Unido e a Itália permanecem em recessão desde a virada de 2007-2008, como Espanha, Portugal e Grécia vivem, certamente, a pior catástrofe econômica de suas histórias recentes, excluindo os períodos das Grandes Guerras mundiais.

Fonte: Elaboração própria a partir dos bancos de dados de Angus Maddison (séries de 1929-1935), disponível em http://www.ggdc.net/MADDISON/Historical_Statistics/vertical-file_02-2010.xls, e do World Economic Outlook do FMI (séries a partir de 2007 e projeções para 2012 e 2013), disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2012/02/weodata/index.aspx.

A crise atual, portanto, tem tido repercussões na Europa tão (ou mais) devastadoras quanto as de 1929, haja vista a queda do PIB real desde 2007, que já supera 20% na Grécia e 5% na Espanha, em Portugal e na Irlanda (na Itália também). Vimos também como são divergentes as trajetórias da economia na Alemanha (principalmente) e na França, além da Holanda e poucos outros, e nos demais países europeus. Isso não impediu que mesmo os institutos econômicos burgueses, como é o caso do CEPR (Center for Economic Policy Research), confirmem o agravamento da crise, afirmando que a Europa entrou, segundo sua contabilidade, no seu segundo mergulho recessivo no último trimestre do ano passado (ver link da nota 3).

O gráfico abaixo apresenta mais detalhes sobre a evolução das principais economias europeias desde o início da crise e permite ver claramente a divergência nas trajetórias nacionais, conforme apontamos acima. Estas assimetrias podem ser tomadas como evidência do reforço da hegemonia alemã no continente.

Produto Interno Bruto (PIB) real
Variação percentual a partir do pico de 2008 ajustado sazonalmente

Trimestres a partir do pico de 2008

É necessário nos determos um pouco no caso da Grécia. Apesar de seu pequeno peso relativo na economia europeia, a situação grega é emblemática e pode ser decisiva, tanto para a sobrevivência do euro quanto para a luta de classes da classe operária, não só na Grécia e na Europa mas, pelo seu exemplo, no mundo inteiro.

A Grécia vem sendo controlada diretamente desde 2010 (pelo menos) por aparelhos de estado internacionais do capitalismo, nomeadamente a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Em 2011, após a crise ter destruído o governo “socialista”-conservador (sic!), é empossado como primeiro ministro – sem nem ao menos o simulacro de legalidade e democracia das eleições burguesas – Lucas Papademos, cujo emprego nos oito anos anteriores era, nada mais, nada menos, que o de vice-presidente do Banco Central Europeu. Como dizia a UNE dos anos 1960: chega de intermediários![11] Na Itália aconteceu algo similar e na mesma época, com Mario Monti, que por dez anos serviu a Comissão Europeia, empossado primeiro-ministro sem eleições. Neste ano, após realizar duas eleições na base da chantagem maciça contra a população, a velha coalizão governamental grega voltou ao poder invertida, conservador-“socialista” (sic!).

De lá para cá, a Troika já prometeu para a Grécia 172,7 bilhões de euros (aproximadamente US$ 220 bilhões) em financiamento oficial[12], que, com uma pequena parte entregue em módicas parcelas, só têm servido para financiar a fuga de capitais europeus (principalmente de bancos) e da classe dominante grega para os seguros bancos alemães e suíços e para pressionar pela adoção de mais medidas de “ajuste”. O que não deveria ser surpresa para ninguém, pois o objetivo é esse mesmo: evitar a quebra dos bancos alemães, franceses, e de toda a Zona do Euro, e preservar a moeda única, e não auxiliar a Grécia. Uma ideia da magnitude da questão pode ser dada comparando o tamanho do pacote da Troika para a Grécia com os acordos do FMI com países europeus. Em 15 de agosto de 2012, o FMI tinha em vigor acordos com 10 países europeus, que juntos totalizavam 124 bilhões de euros (US$ 161 bilhões)[13].

A parte do “ajuste” que já está sendo cumprida é aquela que a burguesia grega alegremente ofereceu como contrapartida: cortes diretos de empregos no setor privado e no setor público, com a taxa de desemprego já próxima de 25%; cortes de salários; cortes de “direitos trabalhistas” como pensões, aposentadorias, auxílios variados; além de uma grande diminuição dos gastos governamentais com os chamados setores sociais, como saúde e educação, por exemplo. Nessa economia em depressão, Paul Krugman resume o significado dos “ajustes” impostos à Grécia: cortes de mais de 30% dos gastos públicos até 2014, comparados com 2009[14]. E isso, antes dos novos pacotes...

Nessas condições, os trabalhadores gregos, seus sindicatos e centrais, e o Partido Comunista (KKE), estão sendo crescentemente empurrados para dar um passo além das massivas manifestações, paralizações e greves gerais. Um passo além em termos de consciência de classe, organização e objetivos da luta de classes proletária.

Ocorre que a Grécia não está sozinha nessa situação de uma devastadora depressão capitalista. A ela tem se juntado cada vez mais países, da Islândia e Irlanda iniciais, para Portugal, Espanha, Itália e outros, sem falar dos países do Leste europeu.

A Espanha, por exemplo, registra uma das piores situações mundiais com relação ao desemprego: ao fim do primeiro trimestre deste ano, o índice de desemprego atingiu 24,4% da população ativa, mais de 5,6 milhões de pessoas, a maior taxa desde o início da publicação da série estatística em 1996. Os jovens com idades entre 16 e 24 anos são os mais afetados, com a taxa de desemprego alcançando 52%[15]. E a situação de lá para cá não melhorou. Pelo contrário, a Espanha enfrenta agora pressão internacional para formalizar um pedido de ajuda à sopa de letrinhas criada pela Comissão Europeia (os programas EFSF/ESM/EFSM[16], uma espécie de “FMI Europeu” criado a partir de 2010) no montante de até 60 bilhões de euros (pouco mais de US$ 75 bilhões), o que implicará a aceitação, pelo governo espanhol, das chamadas “condicionalidades”, i.e., mais ajuste fiscal e reformas contra os trabalhadores, sindicatos e “direitos trabalhistas”.

Essa situação de depressão econômica, de endividamento dos países em centenas de bilhões de euros, de desemprego cavalar, de medidas antitrabalhadores é comum a toda a Europa. É o caso clássico em que uma só faísca pode incendiar toda a pradaria. As primeiras faíscas europeias já foram acesas, o que ficou claro para todos nós com a gigantesca greve geral pan-europeia de 14 de novembro.

De forma concreta e crescentemente, com a mobilização de multidões em todos os países europeus, a classe operária e demais classes dominadas, seus sindicatos e centrais, e seus partidos revolucionários vão construindo os passos adiante que devem ser dados, rumo a novas formas de luta de classe e aos verdadeiros objetivos da classe operária.

Depressão econômica mundial: EUA

Os EUA estiveram no centro dos eventos detonadores da primeira fase mais aguda da crise, com a sequência de falências de instituições financeiras a partir de 2008. Apenas de maneira exemplificativa, enumeramos alguns dos principais casos: Countrywide Financial (comprado pelo Bank of America), Bear Sterns (J.P. Morgan por US$ 1 bilhão e mais um empréstimo do Federal Reserve de Nova Iorque de US$ 29 bilhões), as agências hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, Merrill Lynch (Bank of America), Lehman Brothers, a seguradora AIG (resgatada pelo Federal Reserve de Nova Iorque por US$ 85 bilhões), Washington Mutual (J.P. Morgan com garantias do órgão governamental de seguro de depósitos, o FDIC), Wachovia (Wells Fargo), National City Corporation (PNC Financial Services), entre centenas de outros. Além disto, o Tesouro dos EUA fez aportes de capital de centenas de bilhões de dólares diretamente em quase 200 bancos (só no Citigroup foram mais de US$ 20 bilhões, com garantias adicionais de US$ 306 bilhões), ao mesmo tempo em que emprestava para seguradoras e empresas automobilísticas[17].

Não obstante todas essas ações, e passados cinco anos, uma lista não oficial dos bancos americanos com problemas atingia 874 instituições, com ativos somados de US$ 335 bilhões, em 30 de setembro deste ano[18].

Isso tudo sem contar as compras de todos os tipos de títulos podres nas mãos de bancos, seguradoras, empresas não-financeiras, investidores, etc., por parte do Federal Reserve, em montantes que ultrapassaram a inimaginável marca dos trilhões de dólares.

A catástrofe financeira do capitalismo nos EUA que presenciamos nestes últimos cinco anos – cevada por décadas de criação infindável de capital fictício, por uma política ativa da burguesia americana e de seus representantes em desregulamentar de todas as formas o seu sistema financeiro, reação à superacumulação de capitais, à queda da taxa de lucro, fatores que impulsionaram a desindustrialização do país, com a consequente mudança desses capitais para outros países, especialmente a China – constitui o maior exemplo histórico de atuação dos aparelhos de estado capitalistas em sua função primordial: contribuir para assegurar a reprodução do sistema capitalista.

Todas essas ações “extraordinárias” do Federal Reserve podem ser resumidas no gráfico abaixo, pois elas têm expressão contábil, um registro, que é feito no balanço patrimonial do banco central dos EUA. Essa criação de capital fictício, quando o Federal Reserve cria dinheiro (do nada), é registrada como seu passivo. Por outro lado, o uso que ele faz desse dinheiro que criou, principalmente comprando títulos da dívida dos EUA (outro exemplo de capital fictício) ou títulos de dívida privada, é lançado contabilmente como um ativo. Assim, a evolução desses ativos é um indicador-síntese do montante da criação de capital fictício emprestado ao sistema financeiro americano em crise. Ou seja, até agora o Federal Reserve já criou US$ 2 trilhões em capital fictício ao longo de quatro anos, de 2008 até 2012, e ainda anunciou mais US$ 40 bilhões em capital fictício fresquinho todos os meses... E esses US$ 2 trilhões subestimam a criação de capital fictício, pois não contam as ações de outros bancos centrais, nem os vários trilhões adicionados às dívidas públicas nacionais.

Ativos totais do Fed (Banco Central dos EUA)
Milhões de dólares

Vimos, portanto, as limitações que tem o sistema financeiro dos EUA em “contribuir” com a saída da crise, preocupado que está em resolver seus próprios problemas, como o excesso de alavancagem; o alto endividamento das famílias gerando, junto com o elevado desemprego, inadimplência; falta de capital, etc. E, no entanto, vimos também que os EUA são, junto com a Alemanha, os países imperialistas (desconsiderando a China) que estão se saindo “menos pior” na crise. Como explicar esse paradoxo?

O gráfico abaixo pode ajudar a esclarecer o assunto. Com ele fica fácil perceber que essa crise nos EUA está significando uma perda permanente de riqueza, destruição de valor, como toda crise capitalista, porém em magnitude muito mais significativa. Isso se expressa no novo nível, mais baixo, do crescimento do PIB dos EUA em comparação com sua tendência anterior. Coisa de US$ 1 trilhão...


As próprias análises dos economistas burgueses mostram que a crise por que passa o sistema capitalista ainda está muito longe de ter um fim. Se nos for permitido um pouco de humor nesta hora, em uma questão séria como essa da crise do imperialismo, mostraremos um pouco do humor – involuntário? – do banco central dos EUA.

Confirmando nossa tese de que a “ciência” (sic!) econômica burguesa não tem qualquer condição de analisar a realidade e explicar a crise nem, portanto, avaliar sua evolução, o Federal Reserve vem, seguidamente, prognosticando o final da crise.

Os comunicados das decisões do Comitê de Política Monetária dos EUA sobre a manutenção das baixas taxas de juros durante o período de depressão desde 2007 mostram que, no início da crise, os economistas analisavam que a atividade econômica se expandiria em breve e que, após “ações conjuntas sem precedentes” (outubro de 2008) dos bancos centrais de diversos países, as previsões eram de condições econômicas fracas “por algum tempo” (dezembro de 2008). Nas demais atas, as possibilidades de recuperação econômica passaram a ser postergadas “por um longo período” (março de 2009), para, a partir de 2011, as expectativas de baixos níveis de atividade econômica serem postergadas para “pelo menos até meados de 2013” (agosto de 2011), para “pelo menos até final de 2014” (janeiro de 2012) e agora para “pelo menos até meados de 2015” (setembro de 2012)![19]

II – Crise do imperialismo e aumento da exploração dos trabalhadores: saída da crise?

“O diretor,
             diabo careca,
Estalou o ábaco,
                         resmungou:
                                                 ‘crise!’
E pendurou a palavra
                                     ‘demissão’.”

Vladimir Maiakóvski[20].

Afirmamos acima que no capitalismo, tanto em seus momentos de expansão, quanto em suas crises, o peso da acumulação do capital e da extração do lucro recai sobre os trabalhadores e demais massas exploradas. Em uma crise da magnitude da atual, esse fato é mais evidente, em suas diversas formas: aumento do desemprego, eliminação/restrição dos “direitos trabalhistas” na chamada precarização do trabalho, redução dos salários reais, aumentos na jornada e na intensidade do trabalho, entre outros. Assim, depois da conjuntura da crise atual nos EUA e na Europa, passaremos a apresentar e analisar os dados do mercado de trabalho desses mesmos países, visando expor não apenas o aumento da exploração capitalista a que as classes dominadas foram submetidas mas, principalmente, contra o que estamos lutando.

O panorama geral da situação do mercado de trabalho na crise pode ser dado pela evolução da taxa de desemprego. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou seu relatório de perspectivas do emprego para 2012: até o final do ano, deverá passar de 202 milhões o número de pessoas desempregadas em todo o mundo, um aumento de 6 milhões em relação a 2011. O prognóstico é de que o índice cresça 6,1% em 2012. Para 2013, a previsão é de que o crescimento seja de 6,2%. Até 2016, 210 milhões de pessoas ainda estarão à procura de emprego, apesar da possível retomada paulatina do crescimento econômico considerada naquele relatório. Para a OIT, é pouco provável que a economia cresça em ritmo suficiente nos próximos anos para cobrir o atual déficit de empregos[21].

No gráfico abaixo fica claro, em primeiro lugar, o aumento do desemprego em praticamente todos os países da Europa e nos EUA. Ou seja, mesmo após os primeiros cinco anos, a crise não dá ainda nenhum sinal de se encerrar.


Em segundo lugar, e não menos importante, o gráfico acima mostra as expressivas diferenças entre os diferentes países, tanto no nível da taxa de desemprego quanto no seu crescimento após a crise. A observação da evolução mensal da taxa de desemprego também aponta essas diferenças. O gráfico abaixo mostra o foco da crise iniciando nos EUA, com a taxa de desemprego mais que dobrando, e, depois, mudando para a Europa, onde o desemprego atinge níveis recordes desde que a área do euro foi criada em 2001.

Taxas mensais de desemprego
Fonte: http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/11/17/transatlantic-divergence/

De maneira similar às diferenças quanto ao PIB, referidas acima, em relação à taxa de desemprego a mais marcante dessas situações nacionais específicas é a da Alemanha. Não apenas a Alemanha apresenta uma trajetória de desemprego inteiramente distinta da dos seus vizinhos europeus como também é o único país imperialista no qual a taxa de desemprego diminuiu na comparação entre 2012 e 2007.

Compare-se, por um momento, o gráfico acima, das taxas de desemprego na Área do Euro (que usa uma média da região) e o abaixo, à esquerda, que mostra o mesmo indicador para cada país europeu. Essa comparação entre os gráficos deixa claro o que queremos expor: que a crise tem impactos diferentes em cada país e que temos que apreender essas características específicas da crise do imperialismo, ao menos nos principais países imperialistas e dominados, para poder avançar nossa compreensão sobre a conjuntura atual e os caminhos da luta de classes do proletariado.

Taxa de desemprego
Variação em pontos percentuais a partir do pico de 2008 ajustado sazonalmente
Produtividade do trabalho
(produto por hora trabalhada)
(1º trimestre de 2008=100)
Meses a partir do pico de 2008
Gráfico da direita: HUGHES e SALEHEEN. (2012). UK Labour Productivity Since the Onset of the Crisis – an international and historical perspective. Bank of England Quarterly Bulletin, Segundo trimestre, p. 138-146. (http://www.bankofengland.co.uk/publications/Documents/quarterlybulletin/qb120204.pdf)


 
Para explicar essa discrepância tão expressiva entre países que compartilham a mesma moeda temos que buscar as razões históricas das condições da luta de classes em cada país, inclusive em relação à sua produtividade (gráfico acima, à direita). No caso alemão, a anexação do lado “socialista” pela parte capitalista, em 1989, permitiu desvalorizar o marco, reduzindo o preço da força de trabalho. Além disso, essa anexação trouxe para o mercado capitalista alemão um enorme contingente de trabalhadores qualificados e com baixos salários, o que pressionou para uma redução geral de salários no país, processo que apresenta semelhanças com a incorporação da força de trabalho da ex-China socialista no atual processo de industrialização chinês[22].



Como mostra a revista Época, insuspeita de qualquer simpatia com a causa do proletariado, em interessante matéria (embora usando seus termos e conclusões):
Antes da crise, as empresas alemãs já mostravam comedimento – contratavam devagar e davam aumentos que acompanhavam os ganhos de produtividade. (...) também por causa da reforma trabalhista, iniciada em 2003. Os contratos se tornaram mais flexíveis, para contemplar, por exemplo, empregos por tempo determinado. Os ‘bancos de horas’ se tornaram difundidos e são levados muito a sério – horas trabalhadas a mais, até certo limite, podem ser convertidas em horas de folga futuras, o que dá flexibilidade às empresas para produzir menos sem demitir.” (negrito nosso)[23].

Uma forma de quantificar o impacto nocivo dessa “reforma trabalhista” sobre os salários alemães é considerar o chamado custo unitário do trabalho. Esse indicador é calculado pela divisão da remuneração média dos trabalhadores por unidade de mercadoria por eles produzida. O gráfico abaixo, elaborado a partir de estatísticas da OCDE, traduz bem essa “pujança” alemã na tecnologia e na capacidade de rebaixar o valor da força de trabalho: em oito anos, aumento nominal praticamente zero nos custos trabalhistas das empresas alemãs, quando ajustados pelo nível de produção. Vê-se novamente um enorme contraste com as demais economias europeias.

Custo nominal unitário do trabalho em todos os setores econômicos dos países da OCDE (2003-2011)
(2003=100)
Fonte: P. Boone e S. Johnson. The European Crisis Deepens. Janeiro de 2012. Disponível em http://www.iie.com/publications/pb/pb12-4.pdf

É aqui, no momento mais agudo da luta de classes, no centro da própria produção capitalista, que se cria terreno para o reformismo na luta dos trabalhadores. Ao invés de reivindicações autônomas e crescentes da classe operária, com sua luta sindical se generalizando em luta política até alcançar posições revolucionárias pela derrubada do regime burguês do lucro, o reformista se acovarda e revela os verdadeiros interesses que defende: os da burguesia. Ao invés de defender a pauta dos operários, o reformista defende a pauta dos patrões: “não lutemos por salários por enquanto. O mais importante é manter o emprego”, diz o reformista. Dessa maneira, busca vincular o destino dos trabalhadores ao interesse dos patrões. Para o reformista, o trabalhador só pode obter algo após garantir gordos lucros para os patrões...

Em suma, já havia antes de 2008 e reforçou-se nos últimos anos, trajetórias desiguais de crescimento econômico, emprego, salários e produtividade, não apenas entre os países europeus, mas também entre estes e os EUA. Diante da ausência de crescimento generalizado, as estratégias da burguesia são as de sempre: demissões, cortes de salários, aumento da exploração via ganhos de produtividade, “programas de ajuste econômico” e “reformas” trabalhistas, previdenciárias, etc.

Passemos, agora, aos dados dos EUA para verificar de quais formas têm se dado o aumento da exploração capitalista na atual crise. A perda de empregos nesta recessão, na verdade uma real depressão, é a mais profunda e prolongada de todas as crises do pós-guerra nos EUA. De fato, após seis anos, ainda não houve recuperação do número de postos de trabalho existentes em 2007, e isso sem contar o crescimento populacional.



Não apenas o gráfico acima coloca em xeque uma possível interpretação de melhora do mercado de trabalho dos EUA, como a desagregação da taxa de desemprego daquele país permite mostrar a real (e pior) situação dos trabalhadores. O gráfico abaixo compara duas medidas de desemprego. A tradicional considera qualquer posto de trabalho, formal ou informal, tempo integral ou parcial, e com isso reduz o total de desempregados. Medida alternativa (denominada “U6”) que permite medir, além do desemprego, a precarização do trabalho (ainda que de maneira imperfeita), pois inclui os trabalhadores que desistiram de procurar emprego recentemente (últimas quatro semanas), mas o fizeram no último ano e os em tempo parcial por razões econômicas (ou seja, contra sua vontade).


O aumento da distância entre as duas medidas, que quase dobrou, passando de 3,7 pontos percentuais na média de 2007 para 6,6 p.p. de janeiro a outubro de 2012, é um indicador objetivo e indiscutível da deterioração do mercado de trabalho nos EUA. Para expressar em números, o chamado trabalho em tempo parcial por razões econômicas passou de 4 milhões de trabalhadores, em 2007, para mais de 8 milhões atualmente. Por outro lado, o desemprego de longo prazo, mais de 26 semanas sem trabalho, que atingia pouco mais de 1 milhão de trabalhadores antes da agudização da crise, agora está em 5 milhões.

Mostramos que a quantidade e a qualidade do emprego nos EUA pioraram sensivelmente depois do início da crise. Com as outras dimensões do trabalho não seria diferente.

No que diz respeito aos salários, os mesmos valem cada vez menos, com os reajustes já estando abaixo da mera reposição da inflação, que está ao redor de 2% ao ano. Como se pode ver no gráfico abaixo, a variação anual dos salários nominais para o conjunto dos trabalhadores já está abaixo disso. Ou seja, salários reais estagnados, com ganho real zero ou mesmo menos que isso.

Salários do setor privado dos EUA, empregados na produção
(excluindo atividades de supervisão)
(variação percentual anual)

Esse comportamento dos salários nominais é puxado para baixo por uma parcela crescente dos trabalhadores americanos que não está tendo reajuste nenhum, ou seja, “aumento” nominal zero. Conforme afirma Paul Krugman:
muitos trabalhadores estão recebendo precisamente zero de aumento salarial em dólares (...) E tem havido um aumento abrupto na parcela de trabalhadores com reajuste salarial zero (...) A rigidez dos salários, mesmo nos Estados Unidos – que tem um dos mais ‘flexíveis’, quer dizer, brutais, mercados de trabalho no mundo avançado, torna claro o quão imenso é o custo da estratégia da zona do euro de "desvalorização interna" – rebaixando os salários nas economias periféricas, até que a competitividade seja retomada”.[24]

Para completar o cenário de redução do emprego e dos salários, só falta comprovar (como se necessário fosse!) o aumento da exploração capitalista na produção. Um indicador disso é a taxa de produtividade, que divide a quantidade produzida pelas horas trabalhadas (ou pelo número de trabalhadores). Para os EUA, tem havido ganhos significativos de produtividade após 2009, refletindo aumento do PIB mesmo com demissões.


Ainda expressando o mesmo processo com outro indicador – e usando um relatório oficial do governo dos EUA chamado de Relatório Econômico do Presidente de 2012 – vemos no gráfico abaixo que a razão (markup) entre os preços e os custos salariais de produção saiu de sua média histórica de 50 anos para valores recordes, processo iniciado mesmo antes do começo “oficial” da recessão em 2007. Isso quer dizer que o faturamento das empresas (aproximado no gráfico pelos preços) supera de maneira recorde os custos salariais[25].

Razão dos preços sobre o custo unitário do trabalho, Setor não-agrícola, 1947-2011
Razão dos preços sobre o custo unitário do trabalho (onde Q = trimestre)

Ou seja, usando as esclarecedoras palavras dos professores que comentam o Relatório Econômico do Presidente dos EUA em seu blog:
A partir deste gráfico, qualquer um teria dificuldade em dizer que as empresas americanas estão em más condições. A produtividade aumentou, o crescimento salarial tem sido modesto, então é obvio de onde vêm os lucros.” (grifo nosso).[26] 

Assim o ganho de produtividade significa aumento da exploração da força de trabalho.

A mensuração direta das margens de lucros na economia dos EUA está coerente com todos os indícios levantados pela nossa análise até agora. Isso quer dizer que do lado dos capitalistas, os lucros, o “aguilhão da produção”, como dizia Marx, vão muito bem. E ninguém melhor do que o banco central dos EUA, o Federal Reserve, para apresentar diversos textos com especificações diferentes de margens de lucro. Atenção: os títulos dos gráficos são do Fed, não nossos...


A margem de lucro está alta
Margem de lucro das empresas não-financeiras
(após o pagamento de impostos) – US$
Taxa de lucro das empresas está alta
Taxa de lucro (antes do pagamento de impostos como percentual do valor adicionado bruto) - %

       Nonfinancial = não-financeiras         Overall = todas


Marx, em sua análise das Causas Contrariantes da Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro, mostra que a tendência à queda da taxa de lucro nada mais é do que a tendência ao aumento da taxa de mais-valia, da exploração capitalista do trabalho assalariado, uma vez que é inevitável que o capital constante cresça mais rapidamente que o capital variável, levando ao aumento da produtividade do trabalho. Em outras palavras, levando à inexorável acumulação de riqueza num polo e de miséria no outro. Assim, a superexploração é uma necessidade do capital para contrarrestar sua crise.

Como nos mostra Marx em “A Lei Geral da Acumulação Capitalista”:
Produção progressiva de uma superpopulação relativa ou de um exército industrial de reserva
Uma população de trabalhadores excedente é condição necessária para a acumulação e para o desenvolvimento da riqueza capitalista, pois com o desenvolvimento da produtividade do trabalho cresce a força de capital, e a massa de riqueza cresce e impulsiona novos ramos de produção, nesses casos grandes massas humanas tem de estar disponíveis para serem exploradas, sem prejudicar a escala de produção nos ramos já existentes e a indústria moderna e os novos métodos de produção dependem, portanto, da transformação constante de uma parte da população trabalhadora em desempregados. (...)
Os movimentos dos salários não são determinados pelas variações do número absoluto da população trabalhadora, mas pela proporção variável em que essa população se divide em trabalhadores empregados e trabalhadores desempregados. Com a introdução do progresso técnico, parte do capital variável se transforma em capital constante, ou seja parte dos trabalhadores ficam desempregados aumentando a reserva de trabalhadores, esse aumento de capital absoluto não eleva procura por trabalho, nem a oferta de trabalho cresce com o aumento da classe trabalhadora.

Formas de existência de uma superpopulação relativa
(...)
Quanto maior a produtividade, maior a pressão dos trabalhadores sobre os meios de emprego e mais precária a condição da própria venda da força de trabalho.
Quanto maior a produtividade maior a acumulação, maior a acumulação de riqueza e ao mesmo tempo acumulação de miséria. ‘Nas mesmas condições em que se produz riqueza, produz-se também a miséria, nas mesmas condições em que se processa o desenvolvimento da produtividade, desenvolve-se um cenário de condições que só geram riqueza para a burguesia.’ [27]

III. A crise econômica é a crise da nova divisão internacional do trabalho

A economia mundial, o sistema imperialista e sua divisão internacional do trabalho são resultados da reprodução do capital/luta de classes. Como mostram os dados apresentados neste texto, a crise que se generalizou a partir de 2007-2008 é, em geral, a pior desde a Grande Depressão, mas para alguns países a situação atual é bem pior que a de 1929. Portanto, esta crise é também, uma crise da nova divisão internacional do trabalho, resultante das crises ocorridas a partir de meados da década de 1970[28]. E mais, esta crise também coloca em questão a nova divisão internacional do trabalho.

A crise do imperialismo e o movimento de transformações na economia mundial que ela acarreta, de mudanças na divisão internacional do trabalho, reforçam as tendências de redução dos salários e de aumento do desemprego nos países imperialistas, formas de buscar recuperar níveis mais elevados de taxa de lucro. Apenas como exemplo, o gráfico abaixo mostra os impactos dessas mudanças na divisão internacional do trabalho na indústria dos EUA. Observa-se uma enorme e constante perda de postos de trabalho no setor manufatureiro, desde o começo dos anos 1980, passando do recorde de 19 milhões de operários para menos de 12 milhões. Os impactos dessa desindustrialização nos salários e demais “direitos trabalhistas” são óbvios.

Postos de trabalho da indústria manufatureira nos EUA
Milhares de empregados 


Claro está que, ao menos parcialmente, esses empregos que “desapareceram” nos EUA foram (re)criados nos países para os quais as indústrias se transferiram, principalmente a China e suas cercanias. Mais claro ainda que essa (re)criação se deu em condições infinitamente inferiores para os trabalhadores.

Ainda que não possamos tratar devidamente desta questão neste texto, podemos avançar algumas hipóteses provisórias, que merecem mais trabalho de nossa parte em sua comprovação (ou não). A atual crise implica potencialmente ajustes, rearranjos, na divisão internacional do trabalho como, por exemplo, mudanças nas condições de acumulação da China, onde tem ocorrido uma multiplicidade de formas de resistência da classe operária – dentre elas uma sequência de manifestações e greves envolvendo milhares de operários de fábricas da Foxconn, responsável pela montagem dos produtos da Apple[29] – levando a aumentos no valor da força de trabalho. Ainda que os salários continuem mais baixos em comparação com os países imperialistas, esses aumentos já têm levado a alguma transferência de produção aos seus vizinhos com mão-de-obra ainda mais barata.

Dado o rebaixamento das condições de reprodução da força de trabalho nos países imperialistas, começam a surgir os primeiros indícios de que alguns setores específicos já podem, inclusive, estar prospectando as condições para retornar aos seus países de origem, dentre eles, retornar aos EUA. O que poderia ser uma explicação para a pequena recuperação do emprego industrial, a primeira em 20 anos, destacada com o círculo vermelho no gráfico acima.

Sobre isso, alguns estudos já apontam que:
Melhores condições de contratação e um declínio nos pedidos de seguro-desemprego são sinais encorajadores de que a economia está lentamente melhorando. Enquanto estes ganhos no mercado de trabalho podem ser sustentáveis, a qualidade dos empregos que estão liderando esta melhora é fraca e confinada aos setores de baixos salários da economia. (...) Enquanto aproximadamente 41% dos empregos criados desde 2010 estão nos já mencionados setores de baixos salários, esses só respondem por 29% do total da força de trabalho. Eliminando as perdas de empregos do setor público, esses quatro subsetores de baixos salários respondem por impressionantes 70% de todo esse aumento nos últimos seis meses.” (grifos nossos)[30].

Da mesma forma, pode-se postular a hipótese de que a atual depressão europeia levará a significativas reorganizações de seu sistema econômico e suas relações de dominação, impactando, também, a divisão internacional. Se temos, por um lado, o reforço da hegemonia alemã no continente, temos também que o crescimento da produtividade da Espanha é o maior dentre os europeus a partir de 2008.

Mas estes são ainda processos incipientes que precisamos acompanhar atentamente e compreender com profundidade, empregando e desenvolvendo o ferramental do marxismo, dadas as suas implicações diretas na luta de classes e no acirramento das contradições do sistema imperialista. 

IV – Conclusão

O estado atual da conjuntura econômica e social mundial, que buscamos descrever e quantificar neste documento, coloca de forma absolutamente cristalina para a classe operária que sua única opção é a resistência, a luta. A crise do imperialismo e o avanço degenerado da burguesia sobre as condições de vida dos trabalhadores é um indispensável processo de aprendizado para a nossa classe. Aprendizado de que não pode haver futuro para os operários no capitalismo. Aprendizado de que, contra o capitalismo, a classe operária só conta consigo mesma e com seus aliados das demais camadas exploradas. Aprendizado de que, se queremos construir o nosso mundo, o mundo dos trabalhadores, em oposição ao capitalismo, é preciso, primeiro, derrubar o sistema burguês. Aprendizado de que, para alcançar esse objetivo, novas e diferentes formas de luta, mais diretas, mais radicais, são necessárias, não bastam as que já estão sendo feitas agora.

Essa experiência de luta já está sendo construída concretamente nas ruas gregas, espanholas, portuguesas e francesas, entre muitas outras. Nesses países já começa a ficar clara a oposição entre os interesses da classe operária e os dos partidos de “esquerda” (sic!), que iludem as classes dominadas com a proposta de uma saída da crise favorável ao povo pela via capitalista, defendendo a tese esdrúxula de que o Estado capitalista possa ser um escudo para os direitos da classe trabalhadora e do povo. O combate a essas posições já encontra uma formulação clara, entre outros, nos documentos do KKE:
“[estes partidos] fornecem um álibi ao capitalismo, alimentam ilusões e servem para o perpetuar, ainda por cima num período em que um número cada vez maior de trabalhadores, gente da labuta, está a perceber o impasse e procura uma saída da barbárie capitalista”.
Esta linha também é confirmado pela nossa experiência, pelo desenvolvimento da luta de classe na Grécia onde, como bem se sabe, foram organizadas 22 greves gerais e inúmeras confrontações de classe multifacetadas, em que o PAME desempenhou um papel principal, com base no slogan "sem vocês, trabalhadores, nenhuma máquina funciona, mas vocês podem fazê-lo sem os patrões" e se concentrou na organização da luta nas fábricas e nos locais de trabalho”. (grifos nossos)[31].

No fundo, esse chamado do KKE nada mais é do que recolocar a conclusão do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, mostrando que os trabalhadores não têm nada a perder além de seus grilhões. Temos um mundo a ganhar.

Trabalhadores de todos os países, uni-vos!



[1] MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro Terceiro, Tomo I, Seção III (Lei da Queda da Taxa de Lucro), Capítulo XIV (Causas Contrariantes). 3ª Edição. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 168-170.
[2] Sobre esse assunto, já postamos no nosso blog Cem Flores, em 7 de julho de 2012, o texto
Como o Comitê Central da Burguesia decide as medidas de política econômica. Disponível em http://cemflores.blogspot.com.br/2012/07/como-o-comite-central-da-burguesia.html.
[3] Nos EUA, pelo National Bureau of Economic Research (Escritório Nacional de Pesquisa Econômica, NBER), em seu Comitê de Datação de Ciclo de Negócios. Ver em http://www.nber.org/cycles.html. Na Europa, de maneira similar, pelo Centre for Economic Policy Research (Centro de Pesquisas em Política Econômica, CEPR), no Comitê de Datação de Ciclo de Negócios da Área do Euro. Ver em http://www.cepr.org/data/dating/.
[5] A esse respeito, basta ler o primeiro parágrafo do resumo executivo do documento de perspectivas para a economia mundial, divulgado na referida reunião:
La recuperación ha sufrido nuevos reveses, y la incertidumbre constituye una pesada carga para las perspectivas. Una causa fundamental es que las políticas en las principales economías avanzadas no han logrado restablecer la confianza en las perspectivas a mediano plazo. Los riesgos extremos, como los relativos a la viabilidad de la zona del euro o a que se cometan errores graves en la conducción de la política fiscal de Estados Unidos, continúan preocupando a los inversionistas. El pronóstico de Perspectivas de la economía mundial (informe WEO, por sus siglas en inglés) apunta tan solo a un fortalecimiento gradual de la actividad con respecto al decepcionante ritmo registrado a comienzos de 2012. El crecimiento mundial, que se proyecta será de 3,3% y 3,6% en 2012 y 2013, respectivamente, es más débil que el previsto en la actualización del informe WEO de julio de 2012, y este a su vez fue inferior al previsto en el informe WEO de abril de 2012 (capítulo 1). Se prevé que en las economías avanzadas el producto seguirá deprimido, pero que será relativamente sólido en muchas economías de mercados emergentes y en desarrollo. El desempleo probablemente permanecerá en niveles elevados en muchas partes del mundo. Y las condiciones financieras seguirán siendo frágiles, según se indica en la edición de octubre de 2012 del informe sobre la estabilidad financiera mundial. Sublinhados nossos. Disponível em http://www.imf.org/external/spanish/pubs/ft/weo/2012/02/pdf/texts.pdf.
[6] Por isso mesmo, esse programa foi chamado de “infinito” pelos próprios banqueiros! Ver artigo Novas reflexões sobre afrouxamento quantitativo, de Jim O’Neill, do Goldman Sachs, O Estado de São Paulo, 23/09/2012. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,novas-reflexoes-sobre-afrouxamento-quantitativo-,934610,0.htm.
As ações desses três bancos centrais, em setembro, foram antecedidas pelo Banco da Inglaterra, em julho, com o aumento de 50 bilhões de libras (aproximadamente US$ 80 bilhões) no seu afrouxamento monetário, que agora atinge 375 bilhões de libras (US$ 600 bilhões), conforme http://www.bankofengland.co.uk/monetarypolicy/Pages/qe/default.aspx.
Além dessas ações, e confirmando o caráter mundial do agravamento da depressão mundial, a China anunciou, também em setembro, um novo programa de estímulos fiscais, com montante estimado em US$ 150 bilhões (http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+geral,china-anuncia-pacote-de-estimulo-de-us-150-bilhoes,125938,0.htm ou http://en.wikipedia.org/wiki/Chinese_economic_stimulus_program).
[8] Esses parágrafos resumem alguns dos pontos desenvolvidos nos artigos que compõem a parte II do livro Luta de Classes, Crise do Imperialismo e a Nova Divisão Internacional do Trabalho, disponível em http://www.quefazer.org/parteDue.html. As informações para a sua aquisição estão em http://www.quefazer.org/libro.html.
[9] A tarefa candente para os revolucionários em todo o mundo é a de transformar a crise do imperialismo em revolução, junho de 2010. Disponível em http://www.quefazer.org/tarefa.html e http://cemflores.blogspot.com.br/2010/06/tarefa-candente-para-os-revolucionarios.html
[10] Conforme, respectivamente, Paul Krugman, The Lesser Depression, New York Times, 21/07/2011, disponível em http://www.nytimes.com/2011/07/22/opinion/22krugman.html?_r=0, e Barry Eichengreen e Kevin O’Rourke, A Tale of Two Depressions, VoxEU, 06/04/2009, disponível em http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update.
[11] “Chega de intermediários. Lincoln Gordon para presidente!”. Frase de Otto Lara Rezende que a União Nacional dos Estudantes utilizou para demonstrar a subserviência do Brasil aos EUA. Lincoln Gordon foi embaixador americano no Brasil, no início dos anos 1960, tendo importante papel no apoio ao golpe militar de 1964.
[12] Para detalhes exaustivos, ver o último relatório do FMI sobre a Grécia, de março deste ano, disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/scr/2012/cr1257.pdf.
[14] Paul Krugman. The Greek Vise. 06/02/2012. Disponível em: http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/02/06/the-greek-vise/.
[15] Folha de São Paulo. Desemprego na Espanha supera 24% e bate recorde em 16 anos. 27/04/2012. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1082271-desemprego-na-espanha-supera-24-e-bate-recorde-em-16-anos.shtml.
[16] EFSM: European Financial Stabilization Mechanism (Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira), http://ec.europa.eu/economy_finance/eu_borrower/efsm/index_en.htm. Fundo europeu permanente, com capacidade de empréstimo alegada de até 60 bilhões de euros (aproximadamente US$ 78 bilhões) para cada país. 
EFSF: European Financial Stability Facility (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira), http://ec.europa.eu/economy_finance/european_stabilisation_actions/efsf/index_en.htm. Fundo temporário, substituído pelo ESM.
ESM: European Stability Mechanism (Mecanismo Europeu de Estabilidade), http://ec.europa.eu/economy_finance/european_stabilisation_actions/esm/index_en.htm. Mecanismo europeu permanente com capacidade de financiamento de alegados 500 bilhões de euros (US$ 650 bilhões).
A tabela abaixo resume os montantes desses empréstimos, tendo como fonte os links acima.

[17] Uma cronologia detalhada da crise do sistema financeiro nos EUA está disponível no sítio do Federal Reserve de Saint Louis: The Financial Crisis. A Timeline of Events and Policy Actions, em http://timeline.stlouisfed.org/index.cfm?p=timeline.
[19] As referidas comunicações do Federal Reserve estão disponíveis em http://www.federalreserve.gov/newsevents/press/monetary/2012monetary.htm.
[20] Maiakovski, Vladimir. Vladimir Ilitch Lenin: poema. São Paulo: Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2012, p. 44
[21] O Estado de São Paulo. Desempregados no mundo em 2012 serão mais de 202 milhões. 30/04/2012. Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/economia%20geral,desempregados-no-mundo-em-2012-serao-mais-de-202-milhoes,110737,0.htm.
[22] A crise do imperialismo expressa o agravamento de todas as suas contradições, outubro de 2006. Disponível em http://www.quefazer.org/crise_imperialismo_expressa_agravamento.html.
[23] Época. Por que a Alemanha é diferente? 23/01/2012, p. 66-70. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2012/01/por-que-alemanha-e-diferente.html.
[24] http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/04/03/screw-your-analysis-to-the-sticky-point/. A matéria apresenta gráfico com as variações nominais dos salários. Não se sabe se o mais impressionante é o percentual de mais de 16% dos trabalhadores americanos ganhando zero, ou se é a expressiva parcela que tem reduções nominais de salários, ou ainda o título do artigo que originalmente apresenta esses dados: “Why Has Wage Growth Stayed Strong?”. É isso mesmo o que vocês leram, por que o crescimento dos salários permaneceu forte... Dúvida? Veja em http://www.frbsf.org/publications/economics/letter/2012/el2012-10.html
[25] O indicador também quer dizer que “Porque o markup dos preços sobre os custos unitários do trabalho é o inverso da participação do trabalho no produto, dizer que um aumento no preço de markup é o maior da história do pós-guerra é equivalente a dizer que a participação do trabalho no produto caiu para o seu nível mais baixo.2012 Economic Report of the President, pg. 64, grifo nosso (http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/microsites/ERP_2012_Complete.pdf).
[27] Marx, K., Teoría Econômica. Edição e seleção de Robert Freedman. Ediciones Península. Madrid, 1967, p. 162-172 (tradução nossa).
[28] A crise do imperialismo é a crise da divisão internacional do trabalho, junho de 2009. Disponível em http://www.quefazer.org/criseImperialismo.html.
[31] KKE. Luta pelo Derrube do Capitalismo, Não Pelo Seu Branqueamento. 05/12/2011. Reproduzido em http://cemflores.blogspot.com.br/2011/12/voces-trabalhadores-nenhuma-maquina.html.

Nenhum comentário: