sábado, 27 de agosto de 2011

Resposta ao camarada Gabriel Harceia.

 
Prosseguindo no debate sobre a reconfiguração da formação econômico-social brasileira e sua inserção na economia mundial, postamos abaixo uma parte inicial da resposta do camarada Leonardo Nino aos comentários postados por Gabriel Harceia sobre o texto "Caleidoscópio de erros ou o 'dernier cri' da ideologia dominante".
Os comentários de Gabriel Harceia podem ser acessados neste “link”.
Sobre a Crise do Imperialismo e a Posição do Brasil. Resposta ao camarada Gabriel Harceia.
Leonardo Nino 12.08.2011
Prezado camarada Gabriel Harceia, saudações comunistas.
Deixe-me começar esta resposta da mesma maneira com que você iniciou seus comentários, desculpando-me pela demora em escrever. Esta não é uma resposta pessoal, individual. Ela foi feita após discussões com os camaradas do blog “Que cem flores desabrochem! Que cem escolas rivaizem!”. E isso tomou o tempo que foi necessário nas nossas atuais condições.
Quando decidimos criar este blog, em setembro de 2008, com a publicação do documento Por Que Razão Discutir a Crise do Marxismo?  nossa intenção era contribuir para a retomada do marxismo como ferramenta insuperável e indispensável para a reconstrução da teoria e do partido revolucionários. Tínhamos à época, como hoje, a plena consciência que essas tarefas só poderiam se dar na construção cotidiana de nossa prática militante na luta de classes e, ligada a ela, no debate coletivo com os camaradas. Como afirmamos naquele documento:
Como diz a citação de Marx com a qual iniciamos nosso trabalho, esperamos dos camaradas a crítica mais rigorosa, crítica científica, marxista-leninista, porque vamos trabalhar procurando nos situar rigorosamente no campo do marxismo-leninismo.[1]
Nesses quase três anos, as postagens de textos de Marx, Engels, Lênin, Stálin e Mao, as publicações de nossos documentos, de documentos de outros camaradas, os vários comentários postados no blog, as discussões e debates sobre esses materiais têm mostrado o acerto da nossa decisão.
Temos recebido importantes contribuições, as quais têm nos permitido o avanço na compreensão e na formulação de nossas posições e teses e às quais não temos poupado esforços para procurar responder da maneira adequada. Assim, da mesma maneira que preparamos a Resposta ao Camarada R. N., a respeito de comentários sobre o nosso documento Caleidoscópio de erros ou o “dernier cri” da ideologia dominante, cabe, agora, nos debruçarmos sobre os seus comentários em relação ao mesmo documento.
I – A Análise Marxista da Crise do Imperialismo: explicitando nossos pressupostos
Camarada Gabriel,
Avaliamos que para o adequado enfrentamento das questões colocadas por você faz-se necessário, em primeiro lugar, apresentar o que, a nosso ver, consideramos os fundamentos da análise marxista da conjuntura atual moldada pela crise do imperialismo. É evidente que, por análise de conjuntura entendemos não apenas os acontecimentos concretos recentes – o jornal do dia – mas o período histórico mais longo que condiciona esses acontecimentos específicos e os torna inteligíveis. Mais especificamente, para esta análise de conjuntura, é imprescindível partir da conformação de uma economia mundial como um todo contraditório, o sistema imperialista que buscamos analisar no texto “E Agora” publicado em nosso sítio e que avalio vale a pena ler, para então focar no período a partir de meados dos anos 1970, quando eclode a crise do imperialismo em que vivemos. É nesse cenário que se operam modificações na divisão internacional do trabalho, que por meio de múltiplas determinações, condiciona a reconfiguração da formação social brasileira, e também que se inicia uma nova fase da crise do imperialismo – sua terceira grande depressão – a partir de 2007 até hoje.
Delimitada, portanto, a conjuntura em que estamos lutando, quais os pressupostos de uma análise marxista? Abaixo procuramos avançar nossas formulações, ainda que provisórias, de maneira sintética. Formulações às quais esperamos, nunca é demais repetir, a rigorosa crítica marxista-leninista.
1) Para a análise científica do modo de produção capitalista[2] (e, como buscaremos mostrar, para esta resposta) são fundamentais dois conceitos teóricos definidos por Marx n’O Capital: relações de produção e reprodução.
São as relações de produção capitalistas, “a contradição principal, cuja existência e desenvolvimento determina a existência e o desenvolvimento das demais contradições ou agem sobre elas” (Mao), que qualificam o modo de produção capitalista, relações necessárias, que se caracterizam fundamentalmente pela oposição entre duas forças em contradição, o proletariado e a burguesia, classes dominadas e dominantes em uma luta de classes que se define a partir do processo de produção capitalista.
Relações de produção capitalistas que são, portanto, essencialmente e ao mesmo tempo, relações de exploração capitalistas. Relações de produção que são o pólo dominante na contradição com as forças produtivas.
A óbvia necessidade de reprodução das condições materiais da vida é, no capitalismo, fundamentalmente a reprodução das próprias relações de produção capitalistas – reprodução da maneira como essas condições materiais de produção são produzidas e reproduzidas, tornando-as tanto pré-requisito do processo de produção capitalista quanto resultado historicamente determinado deste processo – e têm como resultado objetivo o desenvolvimento contraditório, sob novas condições, da divisão, da luta de classes proletariado/burguesia.
2) Partindo dos conceitos de relação de produção capitalista e da sua reprodução pode-se, portanto, focar no aspecto principal do modo de produção capitalista, no seu caráter essencialmente contraditório, antagônico, fundado na luta de classes na própria produção.
Esta é a contradição principal no modo de produção capitalista, que o funda, que o define, a contradição/luta entre as classes “dentro da fábrica”, no processo de produção material, na produção de mercadorias, de valores/valores de uso, em suma, de mais-valia.
É por isso que dizemos que a luta classes proletariado/burguesia é a característica distintiva fundamental objetiva do modo de produção capitalista, por isso que essa é uma contradição inconciliável e insuperável dentro do modo de produção capitalista. É a partir dessa contradição/luta que se define, se molda a dominação burguesa (e se fundamenta sua ideologia, buscando borrar essa exploração/dominação e garantir sua reprodução) e seus parceiros, o reformismo e o revisionismo.
É por isso que a teoria científica e revolucionária do proletariado, o marxismo, é inconciliável com qualquer teoria revisionista, ideológica, que se funda na colaboração de classes (ou na defesa da subordinação do proletariado à burguesia, qualquer que seja a desculpa para isso), como é o caso dos nacionalismos, do nacional-desenvolvimentismo, versão nativa do economicismo.
3) Luta de classes na produção na qual a burguesia busca sempre aumentar a exploração sobre a classe operária, processo que tem como seu objetivo primordial aumentar a taxa de lucro.
Nessa luta de classes na produção objetivando aumentar a exploração do proletariado (no processo conjunto de extração de mais-valia relativa – principal – e absoluta; e cujos efeitos vão além do “econômico” imediato, indo também aos níveis ideológico e político) e a taxa de lucro da burguesia se definem a tendência à redução do valor da força de trabalho (bem como a busca, pela burguesia, de fixar os salários abaixo desse valor) e à sua diminuição em relação ao capital total, aumento da composição orgânica do capital, logo tendência ao desenvolvimento das forças produtivas e da produtividade social do trabalho. Note-se que não se trata de desenvolvimento/autonomia das forças produtivas impulsionando mudanças nas relações de produção. São as condições concretas da luta de classes na produção, dentro das relações de produção capitalistas, a luta de classes da burguesia contra o proletariado em seu objetivo de obter a maior taxa de lucro e a luta, resistência do proletariado à exploração, que impulsionam (ou travam) as forças produtivas. Forças produtivas que, portanto, constituem, no capitalismo, a materialização das relações de produção/exploração capitalistas.
Essas tendências de desvalorização da força de trabalho, de aumento da produtividade social do trabalho e da composição orgânica do capital geram a tendência à queda da taxa de lucro como expressão das contradições do modo de produção capitalista. Essas mesmas tendências levam também, considerados os capitais em concorrência, ao aumento da concentração e à centralização de capitais, ao monopólio capitalista.
Em suma, é a partir da contradição, da luta de classes, proletariado/burguesia num sistema de produção historicamente específico, o capitalismo, que se fundam as relações de exploração/produção especificamente capitalistas e são definidas as condições do desenvolvimento das forças produtivas, da exploração da força de trabalho, a taxa de lucro e a crise.
4) Crise do capitalismo – na etapa atual, crise do imperialismo – derivada e consequência das próprias contradições inerentes a este modo de produção e que constitui a tentativa de reconfiguração das condições de acumulação e de reprodução capitalista em uma economia mundial.
Crise que se manifesta na impossibilidade de manutenção dos ritmos de acumulação à taxa de lucro vigente/desejada, na sobreacumulação de capital expressa/materializada na tendência à sobreprodução de mercadorias. Crise que exacerba todas as contradições do capitalismo e cuja “saída” passa, necessariamente, pela desvalorização (queima) do capital e pela desvalorização da força de trabalho.
Desvalorização do capital que é a tendência geral para ultrapassar a sobreacumulação mas que, no entanto, enfrenta a resistência dos capitais individuais, se impondo mediante a falência, bancarrota, e resultando no reforço da tendência à centralização dos capitais.
Desvalorização da força de trabalho, sinônimo de aumento da exploração capitalista, que é o principal “benefício” da crise para a classe dominante. Por esse ângulo, a crise resulta no rebaixamento dos salários (incluídos os benefícios sociais e os direitos trabalhistas – rebaixamento do custo de reprodução da classe operária), na ampliação do desemprego, na tendência ao enfraquecimento da luta econômica das classes dominadas.
Crise que, mediante a queima de capitais e a redução dos salários, busca contrarrestar a tendência ao aumento da composição orgânica do capital, na tentativa de retomar, ou mesmo ampliar, a taxa de lucro.
5) Crise do capitalismo, crise do imperialismo, que modifica a divisão internacional do trabalho, a reprodução das relações de produção capitalistas no sistema mundial do imperialismo e em cada formação econômico-social.
No sistema mundial do imperialismo – considerado como um todo articulado e contraditório que engloba o conjunto da economia mundial e cada uma das suas “partes” –, no processo de acumulação/crise, são definidos os padrões internacionais de produção/exploração e de acumulação de capitais, a partir do local no qual as condições são mais favoráveis ao capital (maior taxa de lucro). Esses padrões (e sua redefinição periódica) condicionam a reprodução do capital em cada formação econômico-social, alteram a divisão internacional do trabalho estabelecida e realocam o papel de cada formação econômico-social na economia mundial (parqueamento).
Essas modificações na divisão internacional do trabalho, no entanto, são condicionadas em última instância pelas contradições internas de cada formação econômico-social, pelas suas condições materiais e pelo estado da luta de classes.
Assim, tanto a evolução do sistema mundial do imperialismo quanto a de cada uma das formações econômico-sociais que o compõem é o resultado concreto e objetivamente determinado de sua própria história e das condições nas quais se dá o processo de reprodução das relações de produção/exploração capitalistas, do processo de acumulação, da luta de classes. Portanto, essa evolução não segue uma trajetória (pré-) definida, seja ela linear ou não; ela não é, tampouco, o resultado de uma tendência racional abstrata em direção a futuros pré-definidos. Em suma, não há apriorismos ou teleologia no materialismo histórico.
6) Há que acrescentar um aspecto histórico fundamental, concreto, da crise do imperialismo que vivemos nos últimos mais de 30 anos, desde meados dos anos 1970.
Nas condições da luta de classes nesse período – caracterizadas, no fundamental, pela defensiva da classe operária condicionando/condicionada pela própria crise do imperialismo e pela hegemonia de posições burguesas nos partidos que se atribuem o titulo de comunistas (reformismo e revisionismo) no mundo inteiro e pela consequente derrota das primeiras experiências de construção do socialismo, notadamente na União Soviética e na China – o capital (aqui considerado o capital em geral) tem conseguido, pela atuação de suas diversas instâncias (Estados nacionais, seus Tesouros e bancos centrais; organismos internacionais, etc.), evitar que a queima de capitais ocorra com maior magnitude[3].
A saída para as classes dominantes tem sido, mediante a geração de capital fictício – as dívidas públicas fundamentalmente, mas também uma série de desenvolvimentos na esfera financeira – construir momentaneamente um novo espaço de valorização, apenas para vê-lo desmoronar implacavelmente no próximo “estouro de bolha”, como esse fenômeno tem sido referido mais comumente.
Dessa maneira, a sobreacumulação de capitais como que se torna uma tendência recorrente, um fato permanente, que implica a necessidade de depreciação acelerada dos valores de uso. O crédito tem acentuada sua característica de elemento acelerador dos ritmos de acumulação e de consumo, visando possibilitar essa realização das mercadorias. A desvalorização contínua do valor da força de trabalho, valor de sua reprodução, é uma tendência acentuada pela possibilidade efetiva de mudança de plantas industriais para locais de salários mais baixos e pela ainda pequena capacidade de resistência da classe operária.
7) Dessa enumeração, geral e provisória, dos nossos pressupostos, algumas conclusões podem ser extraídas, relacionadas diretamente às questões levantadas pelo camarada Gabriel Harceia em seus comentários:
i) A primeira dessas conclusões é que a análise marxista que avançamos coloca a luta de classes no centro da dinâmica do modo de produção capitalista, como momento central da reprodução de suas relações de produção. Essa análise se opõe radicalmente a qualquer forma de economicismo, forma do pensamento revisionista, e de determinismo.
ii) A segunda, que nossa análise concreta – feita a partir dos pressupostos que avançamos acima – desta conjuntura de crise do imperialismo, dos seus efeitos na conformação de uma nova e específica divisão internacional do trabalho, nos aponta para uma reconfiguração nas condições de reprodução do capital no Brasil que conceituamos como uma “regressão a uma situação colonial de novo tipo”,
iii) Pelos pontos que buscamos articular acima, que a regressão a uma situação colonial de novo tipo não é e não deve ser entendida, absolutamente, como uma “volta atrás”, um retorno ao passado (nesse caso, necessariamente idealizado pelo pensamento burguês), ou como um desvio em relação a um sentido histórico, a uma trajetória predefinida para as formações sociais capitalistas, ideologia que fundamenta as noções de “subdesenvolvido”, “em desenvolvimento” e agora “emergente”.
Esta análise da realidade atual – de crise do imperialismo, de uma nova divisão internacional do trabalho e da regressão a uma situação colonial de novo tipo no Brasil – é, sem dúvida, uma mudança de terreno em relação a uma interpretação dessa nossa história pregressa, feita com base na ideologia do nacional-desenvolvimentismo, que a vê como um processo que da colônia, através da industrialização (podemos dizer: do desenvolvimento – autônomo – das forças produtivas, sem luta de classes) o motor de uma pseudo ruptura com uma “dependência”, passando pela afirmação da soberania e do “Brasil grande potência” e, quem sabe até, do “direito” de participarmos da exploração dos demais povos.
iv) Chamamos atenção para o fato de que apenas inverter esta interpretação, dando conotação negativa ao que a burguesia e seus aliados acham positivo é jogar no campo do adversário, validar sua ideologia, pois é a partir dessa mesma ideologia, fundamentalmente, que a conclusão simétrica também funciona. Em suma, participar do jogo da burguesia e dos seus aliados revisionistas.
v) Ou seja, o falso dilema do “Brasil grande potência” das classes dominantes e do reformismo-revisionismo versus a interpretação do ‘marxismo acadêmico’, de que o desenvolvimento do Brasil, repetindo um processo obrigatório seguido por todos os países capitalistas que compõem hoje o bloco imperialista, processo que levaria o Brasil à condição de “grande potência”, o tornaria necessariamente um país imperialista – em relação a seus vizinhos sul-americanos – revela uma incompreensão do conceito marxista de imperialismo, ponto que pretendemos aprofundar numa próxima oportunidade.

[1] A mencionada citação é: “Todo julgamento da crítica científica será bem vindo. Quanto ao preconceito da assim chamada opinião pública, à qual nunca fiz concessões, tomo por divisa o lema do grande florentino: Segui il tuo corso, e lascia dir le genti.” (Marx, 1983, Editora Abril, prefácio à primeira edição de O Capital).”
[2] Aqui só tratamos do modo de produção capitalista.
[3] É difícil fazer uma avaliação de qual seria a magnitude da queima de capitais necessária à “saída” da crise e, mesmo, se a queima de capitais propiciaria uma saída a crise e o que significaria, em regressão, esta saída. Só de uma coisa temos certeza, a crise do imperialismo abre para o proletariado e para as classes dominadas em todo o mundo a possibilidade de uma era de revoluções.



















































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